domingo

Atrás da porta

Querido,
Eu planto mais perguntas que respostas

Por que somos peças com tantos defeitos? Por que somos tão incompletos? Por que essa doçura que agora me transborda e quebra e detona e invade e ultrapassa todas as barreiras impostas? Sabe, eu nem achei 2009 tão assim. Gostei, me realizei, mas perdi os jogos. Não, não sei porque quero te escrever hoje, não sei se é para falar dos meus defeitos - que hoje se mostram tantos - da minha doçura - idem - ou do meu ano que acabou de amanhecer. É que sempre que eu me pego assim, desprevenida e com lágrimas nos olhos, sinto vontade de correr para te contar, mesmo que por esse papel, corro para te escrever porque te ver já não é mais possível.
Tudo é tão vulnerável. Uma chuva e tudo vai embora com ela. E o mundo passando por cima de tudo, triturando os sonhos. Não, talvez a culpa não seja do mundo, mas nossa, as velhas peças com defeito.
E como você está? Quase nunca pergunto de você, e parece egoísmo ficar assim, só falando de mim, mas não consigo me poupar.
Quando escrevo para você me vem uma imagem tão forte sua em minha cabeça. Sempre a mesma imagem. Você com aquele sorriso quase saindo, quase ficando, quase pedindo, quase mandando. Será que ainda é assim? Faz tanto tempo que não te vejo. Desde que o ano novo chegou, eu tenho tentado te escrever algo bonito, te desejando todas as maravilhas que a gente sempre deseja, mas a forma não era a de sempre. Algo me impediu. Sempre esse impedimento. O mundo nos impede o tempo todo, querido, mas por quê? Ninguém me diz o motivo de tudo isso. Ninguém me explica por que eu ainda estou sentada escrevendo para você. Ninguém me diz por que eu ainda choro. Ninguém me explica o por que da gente querer parecer forte. Ninguém me diz o por que da força não aparecer quando a gente mais precisa. Eu reconstruo em todos os detalhes todas as cenas de 2009. Todos. Todas. Você aparece e desaparece das cenas. Você apresenta todos os cenários e me diz algo que eu não entendo. Tudo bem, as cenas não são tão ricas de detalhes, mas ao fundo, sempre ao fundo, vejo seu sorriso indo embora com vontade de voltar, segurando as minhas mãos com a incerteza de estar fazendo o certo. Inconstante. Por que você tem tanto medo? Eu queria tanto te proteger, te levar comigo. Por que você não quis vir mesmo? Vir, que não significa 'ver', mas significa 'seguir'. Seguir. Nos impedimos tanto. De novo falo sobre os impedimentos. Ando ficando tão repetitiva que me canso. Peça com defeito. Um dia montei com tanta dificuldade um quebra-cabeça de 200 peças, e sabe, eu contei peça por peça, 199, faltava uma. Sentei e chorei, olhando para todas aquelas peças no chão da sala, naquele tapete cinza. Eu queria te proteger mas quem precisava de proteção era eu, você pode ver? Essa velha falta, essa velha ausência, que me acompanha passo a passo e eu vou levando ela com tanto peso que quase me quebra a coluna. E me finjo de forte, e arrumo a postura. Para, tudo isso é só para que você possa depositar todos os seus traumas em mim, porque você me acha forte, acha que eu supero tudo. Não é isso não, meu bem. Eu estou aqui, veja, jogada no chão dessa sala chorando a peça que falta. Não sou forte não, é só mentira, eu brinquei com você o tempo todo. Eu acabei de ler a palavra "ninguém" e eu já a escrevi tanto aqui hoje. "Ninguém" é uma palavra que me assusta, me arrepia, dá solidão. Quem é ninguém e qual o poder que exerce sobre a vida das pessoas? Hoje eu estou cheia de perguntas, você pode ver, não é? Um dia eu escrevi grande e com caneta rosa: O que move o mundo é o poder das perguntas. Eu queria poder te mostrado isso, mas você, novamente, não me deu tempo. Eu sempre louca, falando de tempos, relógios, minutos, segundos, e fico cansada porque você sabe o quanto falar de tempo me cansa. E esse cansaço, de todos os outros textos. E todas as vezes que eu dizia entregar os pontos. E o sofrimento contínuo. E a Marisa Monte cantando lento você-me-tem-fácil-demais-mas-não-parece-capaz-de-cuidar-do-que-possui. Para de me mandar ir. Eu não vou. Não vá pensando que eu sou sua,
Maria.

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