sexta-feira

Que seja doce


Théo,
Você já se pegou pensando em Deus? Eu sempre estou. O tempo todo. Mas esses dias, confesso, esses dias senti que Ele estava próximo de mim, ao meu lado. Do alto da pedra, em Búzios, o vento batia forte, bagunçava meus cabelos. As ondas quebravam nas pedras com força. O barulho do mar, o sol ao lado quase dormindo, a lua ao outro chegando com passos de bailarina. Ventou um pouco mais forte, eu pensava em Deus. Acho que era Ele. Acho que Ele estava ali - embora eu acredite que ele está em todos os lugares todo o tempo. Pensei que eu poderia ter escolhido outro caminho, eu poderia ter seguido de outro jeito. Eu poderia não ter passado por tudo o que passei nesses meses. Eu poderia não ter crescido tudo o que cresci. Mas Ele me colocou aqui. Ele faz de tudo para o meu bem e eu sei: pelo teu também. Pelo de todos nós, na verdade. Parece que eu sou aquelas senhoras que ficam na igreja 24 horas por dia? Sou não. Nem vou muito à igreja, para falar a verdade. Mas é a minha fé que me leva dia após dia. Não haveria como ser de outro jeito. E existem tantas pessoas que não acreditam... eu não as critico. Nem posso. Também já tive fases de não acreditar. Mas, de uns tempos pra cá, a existência de algo que cuida de nós tem ficado tão explícita para mim, explícita mesmo, jogada no meu rosto. Não consigo não acreditar. Só queria dizer que nesse dia... os meus olhos se encheram d'água porque não haveria de ser de outro jeito. Fiquei tomada de amor, pelo mundo, pelas coisas, por mim. Não estava feliz, daquelas que ficam sorrindo cheia de dentes. Não estava triste. Eu estava bem. E desse dia em diante, é assim que estou: bem.
Te desejo um momento de encontro assim, como o que eu tive.
Te abraço,
Maria.

segunda-feira

A arte do encontro (com a memória)

Depois de dias vendo e revendo no baú da memória tudo o que já se passou, decido: vou escrever. Usar da minha ferramenta favorita para passar um pouco o grito interno. Acalmar as feras da memória. Parece até que fazem anos, né?! Que nada. Menos de quatro meses.
"Envelheci dez anos ou mais nesse último mês", um fato. Então, abro alas para a retrospectiva [sim, essas que, em geral, são só para perto do natal, ano novo blablabla], abro alas para o semestre mais intenso e para a sua beleza, para suas dúvidas, suas novidades mil. Escrevo com uma certa leveza. A leveza de não ter acertado tudo, nem errado tudo. A leveza da medida exata de estar onde eu sempre quis estar. É bom, não é? Confesso que nem sempre. Colocar meus sonhos em primeiro plano me fez abrir mão de uma porção de coisas que, sinceramente, doeu. Doeu deixar minha mãe chorando num aeroporto e embarcar sozinha para um lugar diferente, só com duas malas rosas e um coração cheio de esperança. Doeu. Doeu também deixar meu pai, meu irmão, minha família e meus amigos chorando numa rodoviária. Doeu. Ver o Cristo do avião é lindo. Dá uma paz na alma. sempre gostei de aviões, de voar. Se ser pássaro não daria, que fosse então com asas emprestadas. Voar era uma vontade que tinha desde pequena, entretanto, as viagens nunca se estendiam por caminhos tão extensos quanto os de agora. Desembarcar não foi um problema. Só minha cabeça estava perdida entre o aqui e o ali, o voo e os caras do banco ao lado ouvindo música e falando sobre táticas para o ouvido não doer durante o voo. Um deles lia um livro sobre relacionamentos, não sei o motivo, já que ele não se parecia muito com caras que leem livros sobre relacionamentos... quem sou eu pra julgar quem tem cara de que, não é? O mundo era novo e se abria todo para mim. Em mil pessoas novas, de outros estados, de todo o Brasil. Quem diria que eu, um dia, conheceria alguém de Roraima? Não só conheci como a tenho por colega de quarto. A cara de Roraima, a doçura e o encanto do extremo norte. Outra colega de quarto lá pelas bandas do Ceará, moleca, sorrindo para todo o mundo novo que se abria também para ela. O novo chegou para mim em lágrimas, lágrimas de saudade, soluçoes de saudade, noites sem sono pensando em como tudo poderia ter sido e se a escolha que fiz foi a correta. E foi? Sei não. Sei que segui o caminho que achei justo. E o mundo se abria, então, em encontros com a Academia Brasileira de Letras e um choque, acompanhado de um choro emocionado, ao descobrir que a escolhida era eu. Em livros de Caio Fernando Abreu me esperando na sala de português. Da descoberta do amor à Química. Da paixão imedível por História e suas Grandes Navegações. Da paixão por ensinar, por compartilhar, "conhecimento preso não é nada", digo lento tentando parecer sábia. Sou não. O encontro com pessoas divinas, de Santa Catarina à Caicó, do Rio Grande do Sul ao Pará, de Mauá e suas pérolas, de Três Lagoas e suas duas lagoas e meia, passando docemente por Mato Grosso e seu ilustre cidadão: àquele abraço! Como na música de Gilberto. O Brasil nunca pareceu tão lindo. O Rio de Janeiro então... continua sendo. Fevereiro e Março, maio, abril, junho. Estamos, chegamos. O mês dos namorados. A flor. As flores. Nove horas "e se nos casarmos todos os relógios hão de marcar por esse horário na casa toda". Meus textos morrendo na primeira linha. Eu adoecendo, a voz quase não saindo. "As pedras só precisam de um pouco de cuidado" "As pedras são as coisas mais importantes da vida", em nossas frases sem nexo, sei que me entende. Te entendo também. Deixa o silêncio falando por nós, nesse abismo entre a minha janela e a tua, a minha vida e a tua. Creio que se eu deixasse toda essa retrospectiva para o fim do ano faltaria folha, caneta e mão para escrever. Observando tudo, só posso dizer que estou feliz. Se fossem outros dias, sei que choraria de felicidade. A vida é a arte do encontro: com pessoas lindas, com situações agradáveis, com o crescimento, com a própria vida batendo na cara e dizendo: "ACORDA! É você por você!", e com a memória, seus labirintos, seu exagero de detalhes, seus conflitos. Ainda bem, ainda bem sim, que me deram o poder de lembrar e, mais que isso, o poder de transformar tudo isso em palavras. Para não doer por dentro. Para não sufocar.
PS: O não entendimento é parte do processo daqueles, como eu, que foram alfabetizados em russo, rá!

sábado

Memórias, crônicas e declarações de amor

Théo,
Antes eu só escrevia sobre o amor. Hoje em dia estou ainda mais chata, acredita? Misturei no amor a saudade e agora estou assim: chata. Só escrevo sobre amor. Só escrevo sobre essa saudade que transborda. O disco riscou. Criar não tenho criado quase nada. Textos não tem saído da primeira linha. Começo, apago. A borracha está quase acabando. Pois é. É que são tantas memórias... elas consomem a gente de vez enquando, vê? Mas nem é tanto quanto antes. Antes que eu digo são uns dias atrás, os dias que eu chorava mesmo. Hoje não choro mais não. Suspiro fundo, mas não choro. Preciso acostumar, os caminhos são esses agora.
Eu queria acreditar, Théo, eu só queria acreditar. Acreditar que você, quem sabe, me esperaria algum dia. Naquela mesma estação, Théo. Onde meu ônibus desembarcou durante todos esses anos de idas e vindas. Eu não mudei em nada não. Só adicionei saudade. Só adicionei uma vontade ainda maior de te abraçar. Mas eu tenho medo. Temo por te sufocar com meu abraço. Temo por te suforcar com meu excesso de amor, como tantas vezes o fiz. Eu te escrevi tanto durante o tempo que estive aí, entretanto você de nada soube, você nenhuma linha leu. Encher-te de palavras boas e sentimentos bons só faria por te sufocar. Minhas palavras mexem no fundo da sua alma e te faz ver que ela existe. Só pude te mostrar tudo o que escrevi um dia antes de partir. Nem sei se você leu e nem sei se me interessa muito. Talvez até não, sabe. E acho até que nem quero que você me espere. Querer não ia te fazer esperar. Não querer me faz sofrer menos. Talvez nem sofra nada, sabe? Sofrer parece que deixa as coisas mais bonitas quando escritas, você não acha? Acho que eu também não acho.
E essa carta termina sem fim,
Patrícia.

sexta-feira

O que não tem medida nem nunca terá

Renato e Gabi,
mas é como se eu existisse dum jeito mais completo.

A gente se lança no mundo sem saber quem é que vai encontrar, e quando é que vai encontrar, e como vai encontrar. Se é que vai encontrar alguém. É tudo incerto. Na verdade, era tudo incerto. Hoje a incerteza evaporou no calor dessa amizade. Hoje a incerteza perdeu seu prefixo. Sobram certezas sobre o quanto todo esse sólido que construímos se incorporou, feito tatuagem, aos nossos dias. As estradas que nos trouxeram até aqui não foram as mesmas. Nós - em três lugares distintos desse Brasil imenso - só fizemos por acreditar num mesmo sonho. Caçando, como se caça borboletas, formas de orgulhar seja lá quem for. Formas de nos orgulhar. Ou de não orgulhar ninguém. Formas de crescer, de mudar. Mudando de cidade, de casa, de vida. Sair de uma cidade tão pequena quanto a minha, confesso, não tornou mais fácil desembarcar aqui. Ter que recomeçar tudo que já estava na metade. Ter que reconhecer e definir o que eu queria pra mim. "Fico aqui? Não fico?" Todo o medo. A saudade de casa. É claro que isso continua muito vivo em mim. É claro que eu ainda choro de saudade. Mas eu tenho certeza de que eu não quero mais que as coisas voltem a ser como eram antes. Faz parte da vida esse andar para frente. Adiar os relógios é quase uma forma de prender a vida sempre num passado que - perdoe a redundância - já passou. Encontramo-nos, os três, na fase mais decisiva de nossas vidas. É justo que a gente tenha se encontrado exatamente nessa fase. É justo que as nossas estradas tenham resolvido se encontrar num tempo em que precisamos tanto dessa amizade que estamos construindo. Vale a pena estar perto de pessoas como vocês. Como vocês não, com vocês. Nem que seja para daqui uns dez anos nos surpreendermos num encontro casual num aeroporto qualquer de uma cidade qualquer. Nem que seja para daqui uns dez anos relembrar com carinho e chorar um pouquinho de saudade. Nem que seja para daqui uns dez anos pensarmos que poderíamos ter feito mais uns pelos outros. Nem que seja para daqui uns dez anos estarmos fazendo um churrascão com nossas possíveis famílias, nossas possíveis novas vidas, nossas possíveis mudanças. Vale a pena. Por vocês vale a pena acreditar. Mas eu espero, de verdade, que daqui uns dez anos estejamos como agora: adoçados por essa amizade diária.
Não deixem de olhar as estrelas. "Look how they shine for you" (Gabi, traduza para o Rê, por favor. Brincadeira).
Com amor,
Maria Carolina.

sábado

muro

Théo,
Eu sempre achei fácil por demais gritar que quer mudar o mundo, sempre achei. Gente que cheia de dizeres, de ideias mirabolantes... ih! tem aos montes. O problema, Théo, o grande problema é não olhar só para o próprio umbigo. Mesmo quando finge que olha tudo, não olha. Vê, ao fundo e desfocado, todos os problemas dos outros. O problema dos outros sempre foi importante por demais pra mim, a dor dos outros me dói a alma. Dá nó nas veias não pensar como os outros e atrasar todas as próprias necessidades para pensar em prol do outro. Outra coisa que muito se fala e pouco se faz: olhar em prol da outra pessoa. Ai, estou andando em círculos. Ficando até chata né?! É que tá incomodando, Théo, tá me deixando descontente. Eu sou só a poeira, só uma brisa de vento. As pessoas perguntam: "por que é que você chora? Você é boba, menina, boa de ficar se doendo por tudo. Faz é drama de tudo. Engole o choro." Eu gosto mesmo é de chorar, choro mesmo. Se o choro tá preso na garganta, eu o vomito. Melhor que ficar sufocada mostrando uma força que não existe. Sei que tô errada, sei que é um porre aturar gente assim. Não tem problema. Decidi que queria melhorar o mundo, que ia dar o melhor de mim. Sabe quantos anos eu tinha? Cinco. Essa vontade não passou. Essa vontade me sufoca dia após dia porque me vejo impotente, cara, não sei o que fazer. Hoje a emoção me invadiu, desculpa.
M.

sexta-feira

Quase um segundo

às vezes te odeio por quase um segundo /depois te amo mais
Histórias bonitas não são escritas só por pessoas que se parecem em absolutamente tudo, nem somente por opostos que se atraem. As regras não existem para as belas histórias.
Um balão, dois na verdade. Escolha uma cor. Verde, melhor o verde. E ficamos por último. Estoure o balão, meu bem, pegue o papel que há dentro dele. Perguntas. Você sabe que minha matéria favorita é história? Pois é. "Hoje preciso de você com qualquer humor, com qualquer sorriso", vou te confessar: não sou a pessoa mais fã dessa música, mas agora toda vez que ela tocar meu coração vai pular, porque eu vou estar feliz. Eu preciso de você, do seu modo de sorrir e de reclamar. Gosto da incógnita que você é e onde eu não posso descobrir nada além. Todas as conclusões são um pouco equivocadas. Não é divertido? Eu sou previsível demais, sempre do mesmo jeito. Você, que parece tão mais previsível que eu, sempre diferente. Voltemos à história: os balões. Depois, um pouco depois dos balões. Fechem os olhos, você precisa falar, eu preciso ouvir. Senta, fala. - Só sei que quando você está perto eu me sinto mais feliz. Um abraço. Toda a eternidade num abraço. Todos os tempos e passados e futuros dissolvidos apenas ao presente. Histórias bonitas são escritas quando a gente decide que vai escrever. Eu decidi.

quinta-feira

ainda que

"Proibido sentimentos, passear sentimentos, passear sentimentos desesperados de cabeça para baixo, proibido emoções cálidas, angústias fúteis, fantasias mórbidas e memórias inúteis..."
(caiofernandoabreu)

(silêncio)
(mais silêncio)
- Eu gosto de você (...) você ainda... ainda gosta um pouco de mim?
- Sim.
- Tem certeza?
- Sim.
(suspiro)
- Já não sei mais se acredito ou não. Acho, às vezes, e por mais que eu não queira, que lá na frente não há lugar suficiente para você ao meu lado. Acho até que... já não há, talvez.
(silêncio)
- E tenho medo. As luas mudam menos que você, mas você muda tanto que é difícil de entender. Tá, tá... é melhor eu parar de falar. Tá tarde já, né? Hora de dormir. Tarde, sempre tarde. Por mais cedo que pareça. Não tá me entendendo mais? Melhor desligar. Te ligo outro dia, certo? Me ligue também, se quiser.

quarta-feira

O eco de antigas palavras

Você,
Nem sei por que começar tuas cartas com esses nomes, esses títulos de "meu caro", "meu querido", e bla bla bla. Não tem mais nome nenhum não. Tem só desabafo, quer ouvir?
O dia está lindo hoje, lindo mesmo. O vento frio na cidade quente. Dizem que é uma das mais quentes do mundo, sabia? Sabia nada. Você só diz que sabe, mas não sabe. Não sabe porque não consegue ver. E ainda dizem que o pior cego é aquele que não quer enxergar. Eu sou assim, às vezes. Sou bem assim, visse? Bem feito você. Talvez por isso eu não aprove tanta coisa. Ou também aprove tantas. Mas não deve ser por isso que gosto de você. Gosto pelo teu inatingível, pelo teu ar de tudo saber. Gosto também - e por que não? - do jeito como arrumas o óculos ou como, freneticamente, olha as horas. Mas não é disso que quero falar. Quero te falar que faz frio. Que perdi dois agasalhos e então, bom, então o frio aumenta. O auto-retrato que faço, numas linhas tortas, num desenho no espelho, está tudo errado. Tudo não. Nós não. Estávamos até hoje de manhã, quando você reclamou do meu atraso. As horas não são nada, querido. As horas não passam de... não sei. Sei que as horas voam, escorrem pelas mãos. Vou me atrasar mesmo. Ai, hoje o dia foi estranho, do início ao fim. O meu humor, os picos dele. A vontade louca de correr para a cama e dormir pelo resto do dia, e depois chorar um pouquinho. A tarde, a vontade de correr para longe, de viver mesmo, com tudo o que isso implica. E agora essa vontade louca de sorrir, sorrir muito, mostrar mesmo os dentes. Tudo por uma carta que uma amiga me mandou. Acho bom que a gente se sinta assim: querida. Adoro esse termo. As pessoas deveriam amar ser chamadas de q-u-e-r-i-d-a-s, mas elas acham que é ironia. Tolas. Pois eu digo: tolas mesmo. Comecei a escrever isso a tarde, termino agora. E não ficou como eu queria. E os textos, mesmo as cartas, não saem como deveriam. Aprisionei as palavras em algum canto que não sei qual é. As palavras estão é zangadas comigo - mas digo que deveria ser o contrário. Acho que é melhor me levantar, dar uma volta. Sem tempos, sem horas. Não, pare de olhar os ponteiros do relógio, cara! Parece até que você tem pressa. Não-se-afobe-não-que-nada-é-pra-já-amores-serão-sempre-amáveis. Viu só? Ouviu? Foi Chico quem cantou e eu te repito com todas as palavras espaçadas, com todo o ar de coisa que pensei, mas nem pensei. Já disse: foi Chico quem cantou. Pois é. Não consigo mesmo criar nada. Era só para ser um desabafo mesmo, e acho até que foi. Objetivo cumprido. Um brinde!
Sem açúcar, com afeto,
M.