segunda-feira

A arte do encontro (com a memória)

Depois de dias vendo e revendo no baú da memória tudo o que já se passou, decido: vou escrever. Usar da minha ferramenta favorita para passar um pouco o grito interno. Acalmar as feras da memória. Parece até que fazem anos, né?! Que nada. Menos de quatro meses.
"Envelheci dez anos ou mais nesse último mês", um fato. Então, abro alas para a retrospectiva [sim, essas que, em geral, são só para perto do natal, ano novo blablabla], abro alas para o semestre mais intenso e para a sua beleza, para suas dúvidas, suas novidades mil. Escrevo com uma certa leveza. A leveza de não ter acertado tudo, nem errado tudo. A leveza da medida exata de estar onde eu sempre quis estar. É bom, não é? Confesso que nem sempre. Colocar meus sonhos em primeiro plano me fez abrir mão de uma porção de coisas que, sinceramente, doeu. Doeu deixar minha mãe chorando num aeroporto e embarcar sozinha para um lugar diferente, só com duas malas rosas e um coração cheio de esperança. Doeu. Doeu também deixar meu pai, meu irmão, minha família e meus amigos chorando numa rodoviária. Doeu. Ver o Cristo do avião é lindo. Dá uma paz na alma. sempre gostei de aviões, de voar. Se ser pássaro não daria, que fosse então com asas emprestadas. Voar era uma vontade que tinha desde pequena, entretanto, as viagens nunca se estendiam por caminhos tão extensos quanto os de agora. Desembarcar não foi um problema. Só minha cabeça estava perdida entre o aqui e o ali, o voo e os caras do banco ao lado ouvindo música e falando sobre táticas para o ouvido não doer durante o voo. Um deles lia um livro sobre relacionamentos, não sei o motivo, já que ele não se parecia muito com caras que leem livros sobre relacionamentos... quem sou eu pra julgar quem tem cara de que, não é? O mundo era novo e se abria todo para mim. Em mil pessoas novas, de outros estados, de todo o Brasil. Quem diria que eu, um dia, conheceria alguém de Roraima? Não só conheci como a tenho por colega de quarto. A cara de Roraima, a doçura e o encanto do extremo norte. Outra colega de quarto lá pelas bandas do Ceará, moleca, sorrindo para todo o mundo novo que se abria também para ela. O novo chegou para mim em lágrimas, lágrimas de saudade, soluçoes de saudade, noites sem sono pensando em como tudo poderia ter sido e se a escolha que fiz foi a correta. E foi? Sei não. Sei que segui o caminho que achei justo. E o mundo se abria, então, em encontros com a Academia Brasileira de Letras e um choque, acompanhado de um choro emocionado, ao descobrir que a escolhida era eu. Em livros de Caio Fernando Abreu me esperando na sala de português. Da descoberta do amor à Química. Da paixão imedível por História e suas Grandes Navegações. Da paixão por ensinar, por compartilhar, "conhecimento preso não é nada", digo lento tentando parecer sábia. Sou não. O encontro com pessoas divinas, de Santa Catarina à Caicó, do Rio Grande do Sul ao Pará, de Mauá e suas pérolas, de Três Lagoas e suas duas lagoas e meia, passando docemente por Mato Grosso e seu ilustre cidadão: àquele abraço! Como na música de Gilberto. O Brasil nunca pareceu tão lindo. O Rio de Janeiro então... continua sendo. Fevereiro e Março, maio, abril, junho. Estamos, chegamos. O mês dos namorados. A flor. As flores. Nove horas "e se nos casarmos todos os relógios hão de marcar por esse horário na casa toda". Meus textos morrendo na primeira linha. Eu adoecendo, a voz quase não saindo. "As pedras só precisam de um pouco de cuidado" "As pedras são as coisas mais importantes da vida", em nossas frases sem nexo, sei que me entende. Te entendo também. Deixa o silêncio falando por nós, nesse abismo entre a minha janela e a tua, a minha vida e a tua. Creio que se eu deixasse toda essa retrospectiva para o fim do ano faltaria folha, caneta e mão para escrever. Observando tudo, só posso dizer que estou feliz. Se fossem outros dias, sei que choraria de felicidade. A vida é a arte do encontro: com pessoas lindas, com situações agradáveis, com o crescimento, com a própria vida batendo na cara e dizendo: "ACORDA! É você por você!", e com a memória, seus labirintos, seu exagero de detalhes, seus conflitos. Ainda bem, ainda bem sim, que me deram o poder de lembrar e, mais que isso, o poder de transformar tudo isso em palavras. Para não doer por dentro. Para não sufocar.
PS: O não entendimento é parte do processo daqueles, como eu, que foram alfabetizados em russo, rá!

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