sábado

Mais uma vez

Entre confissões cada vez mais nervosas, entre uma unha roída e outra, entre os dedos batendo forte nas teclas de um computador. Entre cada dia nem vivido quanto deveria, entre cada abraço demorado - pois que tinha gosto de partida - entre mãos vazias de outras mãos. Todo mundo, um dia, vai-se embora. Todo mundo, um dia, deixa a vida que tinha e vai-se embora buscar os sonhos que teve. Eu só sonho nas noites em que durmo cansada. O sonho é uma amostra, uma miragem daquilo que tanto queremos. Ou nem queremos. Eu nem sei o que o sonho significa de fato, eu imagino tanto e escrevo. Escrevo porque minha cabeça não dorme se tantos pensamentos, miragens, imagens e imaginações não forem para outro lugar. Escrever é castigar o papel, fazê-lo sentir as coisas que sinto, o papel é meu ponto de apoio. Batendo os dedos, agora, fortemente contra a madeira da mesa, caos. Estou partindo de novo, em busca de crescimento e dos sonhos que tive um dia. De ônibus, com a bagagem e o coração nas mãos. O coração sangrando, ferido - coitado - quer ficar. Tudo bem, eu me aguento. Ou pelo menos penso que aguento - a isso dão o nome de esperança. Ou pelo alguns acreditam que eu deveria aguentar. Deveria.


Saí de casa, levei comigo a alma e todo o resto. Sobrou uma placa na porta: Volto Logo.

Invariável

Posso não saber nada do coração das gentes, mas tenho a impressão, de que, de tudo, o pior é quando entra a segunda parte da letra de “Atrás da porta”, ali no quando “dei pra maldizer o nosso lar pra sujar teu nome, te humilhar”. Chico Buarque é ótimo pra essas coisas. Billie Holiday é ótima pra essas coisas. E Drummond quando ensina que “o amor, caro colega, esse não consola nunca de núncaras”. Aí você saca que toda música, toda letra, todo poema, todo filme, toda peça, todo papo, todo romance, tudo e todos o tempo todo, antes, agora e depois, falam disso. Que o que você sente é único & indivisível e é exatamente igual à dor coletiva, da Rocinha a Biarritz.

Caio Fernando Abreu

É um resto de toco, é um pouco sozinho

Um pouco de tristeza, um gole.
Um copo meio vazio na cabeceira, com livros que desaprendi a ler.
Uma música que se repete, repete, repete.
Uma dor - no coração - e a impossibilidade de pedir ajuda. Ajuda a quem? Nada poderia ajudar a dar ordem ao caos aqui dentro, aí fora.
Uma sede que não passa. Um abraço que não vem. Uma palavra que não chega. Um telefone que não toca.
Eis que volta a doer, então, uma ferida antiga. Palavras. Escolhas.
E uma certeza: isso vai passar, também.

E as águas, que não de março, mas das lágrimas que caem sem que tenham essa permissão, vem para fechar qualquer estação do ano que já nem me lembro mais.

terça-feira

Ad infinitum

Querido,
Nos outros eu sei onde se abriga o coração, é no peito; em mim a anatomia ficou toda louca, eu sou todo coração.
Não consigo escrever mais carta alguma, querido. Trecho, verso, prosa, nada. Não sai nada, palavra nenhuma. Tenho medo de ter me tornado... não encontro a palavra certa. Mas é como se as palavras certas não existissem mais, porque não as encontro nunca. Nem em ruas desertas ou becos sem saída. Nada. E olho que procuro, hein?! Escrevo, apago. Parece tudo borrado, milhões-de-frases-sem-nenhuma-cor, será que você pode entender? Eu não te encontro também. Ou te encontro e não te vejo. Ou te vejo e nem sinto mais o que eu pensava sentir por você. Pois é, as coisas mudam e as pessoas - veja - as pessoas mudam ainda mais. Ou não mudam nada. Desde que voltei, encontrei muita gente que parece como quando eu saí: iguais. Congeladas num tempo que nunca mais passou. Numa página de calendário que nunca mais virou. Ontem foi meu aniversário, sabia? A paz me invadiu por completo. É claro que é mais uma data, um número a mais nos cálculos da vida, mas que me inundou de paz. Paz de palavras que chegaram por pessoas certas, pelos meios certos. Não haveria como ser melhor, acho que quebraria todo o encanto. Eu tenho feito descobertas: já não sei mais onde fica o meu coração. Tudo está exposto, como uma ferida aberta que não cicatriza, mas se alastra por todo o resto do corpo, por todos os poros. Essa minha mania de amor, mania de amar, mesmo sabendo sofrer, mesmo sabendo o peso que tem o amor nas costas humanas. Não tenho culpa, amo cada vírgula desse texto pobre - porque me perdi das palavras - amo porque só isso sei fazer. E é isso. A anatomia se confundiu, as nuvens encobriram o céu. Acho que vai chover...
M.