quarta-feira

O eco de antigas palavras

Você,
Nem sei por que começar tuas cartas com esses nomes, esses títulos de "meu caro", "meu querido", e bla bla bla. Não tem mais nome nenhum não. Tem só desabafo, quer ouvir?
O dia está lindo hoje, lindo mesmo. O vento frio na cidade quente. Dizem que é uma das mais quentes do mundo, sabia? Sabia nada. Você só diz que sabe, mas não sabe. Não sabe porque não consegue ver. E ainda dizem que o pior cego é aquele que não quer enxergar. Eu sou assim, às vezes. Sou bem assim, visse? Bem feito você. Talvez por isso eu não aprove tanta coisa. Ou também aprove tantas. Mas não deve ser por isso que gosto de você. Gosto pelo teu inatingível, pelo teu ar de tudo saber. Gosto também - e por que não? - do jeito como arrumas o óculos ou como, freneticamente, olha as horas. Mas não é disso que quero falar. Quero te falar que faz frio. Que perdi dois agasalhos e então, bom, então o frio aumenta. O auto-retrato que faço, numas linhas tortas, num desenho no espelho, está tudo errado. Tudo não. Nós não. Estávamos até hoje de manhã, quando você reclamou do meu atraso. As horas não são nada, querido. As horas não passam de... não sei. Sei que as horas voam, escorrem pelas mãos. Vou me atrasar mesmo. Ai, hoje o dia foi estranho, do início ao fim. O meu humor, os picos dele. A vontade louca de correr para a cama e dormir pelo resto do dia, e depois chorar um pouquinho. A tarde, a vontade de correr para longe, de viver mesmo, com tudo o que isso implica. E agora essa vontade louca de sorrir, sorrir muito, mostrar mesmo os dentes. Tudo por uma carta que uma amiga me mandou. Acho bom que a gente se sinta assim: querida. Adoro esse termo. As pessoas deveriam amar ser chamadas de q-u-e-r-i-d-a-s, mas elas acham que é ironia. Tolas. Pois eu digo: tolas mesmo. Comecei a escrever isso a tarde, termino agora. E não ficou como eu queria. E os textos, mesmo as cartas, não saem como deveriam. Aprisionei as palavras em algum canto que não sei qual é. As palavras estão é zangadas comigo - mas digo que deveria ser o contrário. Acho que é melhor me levantar, dar uma volta. Sem tempos, sem horas. Não, pare de olhar os ponteiros do relógio, cara! Parece até que você tem pressa. Não-se-afobe-não-que-nada-é-pra-já-amores-serão-sempre-amáveis. Viu só? Ouviu? Foi Chico quem cantou e eu te repito com todas as palavras espaçadas, com todo o ar de coisa que pensei, mas nem pensei. Já disse: foi Chico quem cantou. Pois é. Não consigo mesmo criar nada. Era só para ser um desabafo mesmo, e acho até que foi. Objetivo cumprido. Um brinde!
Sem açúcar, com afeto,
M.

Um comentário:

LARISSA MIRANDA disse...

"Sem açúcar, com afeto."

Muito afeto, muito.

Beijo grande!