terça-feira

Termômetro

Hoje a escrita me disse olá, depois de tantos meses. Logo eu que, hoje mesmo, me julgava já tão ultrapassada para as palavras e, mais que isso, já me julgava tão desconhecedora delas. Deconhecer das palavras é - e sempre foi - um medo pra mim, afinal foram elas que me levaram anos a fio em frente. Elas e eu, na verdade. Peço licença agora, na hora do surto das palavras, para dizer um pouco de tudo que vem ocorrendo desde que eu me esqueci das horas, me perdi delas. Junto das horas, me perdi também de um bocado de coisas, de pessoas. Coisas e pessoas que ficam no meio do caminho porque encontram outra saída. Outra coisa que me assustava: deixar pessoas pelo caminho. Mas hoje descobri que as pessoas ficam porque querem, a gente não pode dizer nada. A única coisa que a gente faz é tentar salvar, e quase nunca dá. O natural é seguir em frente. Sempre em frente, mesmo que para frente seja o outro caminho, o de trás, o mais difícil. Essa foi a escolha que eu fiz. Sozinha. Ninguém me pediu para sair de casa tão cedo assim. Foi a escolha que fiz porque meu mundo e meus sonhos já não cabiam na casa da frente da praça. Meus sonhos já não cabiam em nenhum lugar daquela cidade. Mas hoje não sei mais se eram sonhos mesmo. Mudaram tanto, distraíram-se tanto e, assim como as pessoas&coisas, ficou pelo caminho. Eu mesma mudei muito, e sei disso. Meus amigos, que antes reclamavam de mudanças que nem existiam de fato, hoje vão se surpreender. Vão me pedir para voltar a ser o que eu era antes, mas eu nem ao menos sei quem eu era antes. A essência está aqui, pode ver? Pois é. Mudei porque a ordem natural da vida é mudar, caso contrário a "seleção natural" leva os outros e te deixa para trás. E ela nem se importa, sabe? Nem um pouquinho. A vida, num contexto geral, nem se importa, reduz as ilusões a pó, como diria Cartola. Continuo do mesmo jeito. As horas passando e eu reclamando das horas do cansaço do surto dos amores sem fundamento das dores nas costas. Os amores, como sempre, ocupando lugar na mente. O coração, como sempre, batendo forte por alguém-ninguém, ainda mais aqui, onde tanta gente se olha e tampouca gente se vê, compreende? Tenho aprendido que - e uso de um bom e velho clichê - só se aprende o sentido das coisas, verdadeiramente, quando não as temos mais. Mas eu falo das coisas miúdas. Um cheirinho de café, cheirinho de gente que a gente ama, briguinhas com o irmão pormenores, rotinas. E meus olhos se enchem d'água. Como é triste perceber que para crescer é preciso abandonar tanta coisa. Abandonei um bocado de coisas e me abandonei um pouquinho também, já disse que mudei, né não?! Para ganhar o mundo é preciso abdicar de algumas coisas. E a vontade foi minha. Virei um monte de capítulos de um livro - que pensava já estar traçado do início ao fim - e entrei num ônibus e depois num avião e voei. Algumas horas penso se fiz a melhor escolha. E essas são as horas dos choros sem fim, do excesso de fragilidade, da carência de cuidado. Mas não há saída: fiz a melhor escolha, por mais que doa, por mais que todas as tentativas de melhorar se mostrem absurdamente inválidas no dia seguinte, por mais que eu ache que não tenho forças o suficiente. E tenho. O melhor de tudo é descobrir o poder de me superar, o poder de vencer meus medos. O melhor de tudo é saber que posso andar com as minhas próprias pernas sem medo que elas se quebrem. E acho que isso, pelo menos isso, é digno de admiração.
Obrigada palavras. Peço para que, por favor, não me abandonem mais.

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