domingo

Seu amor é uma generosidade injusta.

O que sinto nem falo. Não me cabe encerrar a vida de ninguém.
A minha sempre está começando ao seu lado.
Termino para não me repetir. Não consigo definir: “aquele foi o último abraço”, “aquele foi o último beijo” e conservar e sublimar para me lembrar do fim.
Eu guardo todos os abraços e beijos pensando que foram os últimos.
Desembrulho minhas roupas para descobrir seu cheiro.
Refaço o ritual da merenda da escola, o fino guardanapo que envolvia um pedaço de bolo ou um doce.
Meu cuidado para não ferir a fome. Eu me abandono, me troquei várias vezes, mas não me despeço.
Seu amor me estragou por inteiro.
Não amarei menos do que recebi de você.
Seu amor tornou impossível qualquer outra história de amor.
Seu amor é um estelionato, nenhum homem deveria aceitá-lo porque não terá tempo de quitar. Seu amor é uma generosidade injusta.
Uma extorsão.
Uma maldição.
Porque ele me cura do que ainda nem adoeci.
Sou covarde, pode concluir que sou fraco. Vou voltar.
Como o esquecimento dos cachorros, que são castigados e logo estão lambendo o rosto de novo. Como o esquecimento dos pássaros, que regressam aos mesmos telhados e antenas para secar os farelos.
Não sei me despedir de você. Já briguei, já fiz as malas, já a ameacei com chantagens, já prometi que não seria mais feliz. Já apanhei as chaves, já devolvi as chaves, já avisei aos amigos.
Já, Já, Já. Não sou mais o mesmo. Nunca serei mais o mesmo.
Só queria encontrar alguém mais louco do que eu para voltar à normalidade.
[Fabrício Carpinejar]

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