quinta-feira

E do que não escrevi, mas vivi e vivo e viverei.

Meu caro,

Ao som de Sweet Child of Mine (que não na voz do Axel, mas na voz de Silvia Machete, doce) venho te escrever. Tive uma súbita lembrança sua e me motivei a agora, menos de duas semanas para minha viagem, te dizer algumas das coisas – porque se torna impossível dizer todas – que você precisa ou não saber. Talvez hoje creio que não precise. Talvez.

Eu não me lembro como a gente se conheceu e nem como seu amor chegou aos meus ouvidos. Não me lembro qual foi, ao certo, o conteúdo da sua primeira carta endereçada a mim. Mas me lembro do bocado de carinho, de afeto. Nem quando namorei me senti tão querida. Era maravilhoso pegar tuas cartinhas e lê-las e me deliciar, para depois correr e esconde-las de minha mãe. Ela nunca as achou. Eu ainda sei onde a maioria delas está. A maioria, porque umas tantas eu rasgava quando você dizia não gostar mais de mim. Dou risada ao lembrar do quanto eu era boba. Era boba, mas demasiadamente sincera, assim como procuro ser agora. Sincera, sem fantasiar, sem iludir (a ti e a mim). O tempo foi passando e eu procurando me dedicar a coisas que não você. Eu pensava que era muito nova, e eu era. Ainda sou, na verdade. Ainda sou aquela mesma menininha. E se hoje você me mandasse cartas, eu reagiria da mesma forma, primeiro as segurava com força, depois as lia e por último as escondia até mesmo dos meus pensamentos. Era assim que eu guardava e guardo seu carinho, escondido de mim mesma, porque sei que não o mereço. Fui e sou injusta com o seu coração. Fui e sou, ainda, uma grande criança na matéria “sentimentos” e, você pode não saber, mas eu quase sempre quebro a cara. Eu gosto de me apaixonar, eu gosto de poder me apaixonar, mas o grande erro é me apaixonar só pelos que desmerecem e desdenham meu amor. Eu sempre me pergunto por que não pude escolher você. Acho que a gente daria certo. Você é carinhoso, do jeitinho que eu gosto, sem dosagens. Eu sou louca, imatura, insensata e que muda de opinião de cinco em cinco minutos. Eu já escrevi milhares de outras cartas para outras pessoas, mas, te juro, nenhuma me dói mais que essa. Dói porque eu não soube aproveitar as oportunidades que você e a vida me deram. Eu não soube e nem quis. Eu virei as costas para todas as coisas que poderiam me fazer feliz enquanto eu insistia sofrer por aqueles que só faziam com que eu sentisse um peso ainda maior das minhas atitudes erradas. Eu errei o tempo todo. Eu poderia culpar o tempo, eu poderia culpar os outros meninos, eu poderia te culpar, mas sei que a culpa só pertence a um alguém e este alguém sou eu. Eu sei que você vai dizer que a culpa não é minha. Sei também que você vai se culpar. Sei que ainda depois de tudo isso você vai me encher de elogios. Você é uma pessoa muito boa, mesmo. Um pouco adolescente, mas bom. Tem espaço de sobra no teu coração para mim e toda a minha bagunça, a minha loucura, a minha ebulição. Acho que não consegui me encontrar em você justamente porque você era quem me cabia. Se você fosse um outro que já passou pela minha vida eu iria gostar de você. Que bom que você não é, assim eu posso saber que você honraria meus sentimentos. Sabe, meu ex-namorado acabou de vir aqui em casa, a gente se viu e o telefone tocou, menos de dez minutos e ele teve que ir embora, ele tem um milhão e meio de afazeres e não consegue dedicar nem dez minutos mais do tempo dele a mim. Ninguém consegue dedicar mais tempo a mim. Só você. Eu sei que mesmo que você não me diga, você está se importando comigo, rezando por mim e, o melhor de tudo, está querendo o meu bem. Eu queria ser uma pessoa boa e pura, feito você. É uma pena que eu só tenha percebido que os outros rapazes valiam menos agora – é claro, não os desmerecendo, eu não faço o tipo que cospe no prato que se farta, e os outros rapazes, por mais que cheios de maluquices e molequices têm suas qualidades – é uma pena perceber que as coisas poderiam ter sido diferentes. Não foram porque eu não quis e agora é tarde para chorar. Chorar não solucionaria nada. É tarde também para me lamentar, o tempo não volta e não é mais cedo. Ou é cedo e eu não sei. As coisas estão escuras e turvas, eu estou chorando e gostaria que você pudesse agora passar as mãos nos meus cabelos e me dizer que não é assim. Você nunca me pediu nada em troca, você me amou tanto. Você se desproveu de desejos, você foi diferente, você é. Eu espero que você encontre uma outra menina capaz de fazer de você um cara feliz. Que vocês consigam construir o que eu só fiz por quebrar. É difícil falar isso, eu não consigo imaginar você fazendo a outra menina o que você me faz. Não consigo ver esse bem todo depositado a outra pessoa, por mais que essa pessoa mereça mais que eu. Eu sinto um ciúme egoísta. Eu não queria ficar próxima de você, tinha medo de conseguirmos nos liberar para o amor e eu, depois, te fizesse sofrer. Desde o inicio esse foi meu grande medo. O seu sofrimento me assombrando. O meu medo me limitando. Você me fazendo bem e não me querendo carnalmente. O nosso “amor” é tão espiritual que dói de tão bom. O nosso “amor” é diferente do amor dos outros porque a gente não precisa estar junto pra saber que isso existe. O nosso “amor” eu nunca escrevi. Essa é a primeira vez que eu te escrevo com a convicção de não querer errar, é a primeira vez que te escrevo depois de tantas cartas de criança. Eu não quero errar e por isso te digo tudo, porque seria um erro também se eu fosse embora sem te permitir saber das minhas verdades e dos meus motivos. Acho que este é o fim da carta. Esta é a sua carta de despedida. Este é o nosso segredo eterno. Esta é a minha visão de tudo o que a gente viveu. Isto aqui, estas linhas aqui, somos nós. Perdoa se ficou piegas. Perdoa se ficou choroso. Perdoa os erros passados. Cuida-te bem. Que Deus te proteja. Que o bem que você faz ao mundo possa voltar a você. E que um dia a gente possa voltar a se encontrar, quando eu e você estivermos preparados para esse amor. E se esse amor não mais existir, que a gente se reencontre só pelo prazer do reencontro. Que não te caiam lágrimas – ao menos que sejam de felicidades. Isso é o que eu queria ter coragem de te dizer – mas sou melhor com a escrita, por isso recorri a ela. Não precisa responder se não quiser. Não precisa lembrar disso depois que ler se não quiser. Faça o que quiser fazer. Ande pelos caminhos que quiser andar. E sinta-se abraçado pelo abraço que eu queria te dar, mas que nunca foi possível. Perdoa a minha limitação humana. Saiba que eu amei você, mas amei do modo errado, pelos avessos, esse é o meu jeito – por mais errado que seja – de tentar encontrar algo certo.

Abraços carinhosos e sinceros,

Maria.

PS:" E se não vier, para seu próprio bem guarde este recado: alguma coisa sempre faz falta. Guarde sem dor, embora doa, e em segredo."

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