sábado

Chuva

Quando uma árvore é cortada ela renasce em outro lugar. Quando eu morrer quero ir para esse lugar, onde as árvores vivem em paz.
(Tom Jobim)


O furacão parece girar, girar e não encontra forças para parar. Sinto-me fechada para reformas, fazem bagunça, arrastam as cadeiras e chove, chove muito. Achei Deus de uma pertinência imensa quando, hoje de manhã, abri minhas janelas e vi que o dia de sol ontem tinha se feito em nuvens e neblina. O sol era, talvez, do tamanho de uma bola de bilhar escondido, escondido em mim também. Uma nuvem de chuva se instalou um pouco sobre mim. Acho que eu queria me esconder tanto quanto o sol e deixar doer e poder chorar sozinha e poder sentir sozinha uma dor que parece nunca mais passar. É preciso aceitar que as flores, então, nascem para depois ir embora. A gente cultiva enquanto pode e depois que elas se vão não se pode fazer nada. Eu choro, eu choro porque sinto saudade, sinto um vazio que não sei se vão conseguir encher de terra. A flor se foi e deixou um buraco no chão. Deixou nuvens cheias de chuva nos meus olhos que ardem, ardem porque não sabem mais chover. Levaram com raiz e tudo e no fim sobrou o chão. Eu, chão, não posso ser egoísta e prender a minha flor quando ela precisa ir. Não posso. Engulo meu egoísmo, engulo minhas lágrimas. Eu não fui um chão ruim, mas às vezes fui cimento ao invés de terra. Minha paciência se esgotava rápido, eu fiz o que pude mas não fiz o máximo. Eu queria ter tido mais tempo, eu queria poder ter abraçado ao menos uma vez. Eu nunca abracei a minha flor. E ela foi embora levando toda a vontade de, talvez, abraçar os outros. Deixou só esse vazio que vão cuidar de tapar, eu sei que vão. O tempo, as pessoas e eu mesma, quem sabe. E vai sarar, eu sei que vai. E vai parar de doer, mas não sei quando, se é que o quando existe. Até minhas palavras falam qualquer coisa que, de tão, não sei sentir.





Para a minha avó, que me deixou ontem.

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